Criados ou fortalecidos pelo intenso fluxo migratório de produtores do Sul na segunda metade do século passado, municípios da região Centro-Oeste que se tornaram importantes polos agrícolas nas últimas décadas apresentam também os maiores índices de desenvolvimento rural do país, conforme estudo inédito encomendado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e recém-concluído pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Liderado pelos pesquisadores Ignez Lopes, Mauro Lopes e Daniela Rocha, o trabalho analisou 5.489 municípios a partir do cruzamento de dados do Censo Agropecuário 2006 e do Censo demográfico 2010, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E revela, também, que muitas “novas fronteiras” de grãos do país não têm condições sociais à altura da força de suas produções, que escassez de recursos naturais e má gestão mantêm dezenas de municípios do Piauí e do Maranhão na ponta de baixo da tabela e que, apesar de seu grande peso econômico, o campo ainda convive com elevados índices de pobreza.
“Os resultados vão ao encontro do que o mundo real nos mostra nas diversas viagens que fazemos. Validam o que a gente vê depois de uma década e meio de crescimento extraordinário da agricultura no país e mostram que, apesar de existirem problemas, esse movimento gerou desenvolvimento social”, afirma Ignez Lopes, que ao lado do Mauro estuda o setor desde a década de 70. O Índice de Desenvolvimento Rural (IDR) calculado pelo Ibre leva em consideração diferentes pesos para quatro dimensões distintas: social (30,1%), econômica (29,5%), demográfica (22,8%) e ambiental (17,6%).
Do cruzamento dos dados do IBGE e dos pesos conferidos a essas dimensões a partir de método estatístico e em consonância com novos conceitos propostos por entidades multilaterais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), oito municípios do Centro-Oeste despontaram entre os dez de melhores IDRs do país, em um “domínio” quebrado apenas pelas presenças de Uberaba (MG) e de Telêmaco Borba (PR), que ficaram na sexta e na décima posições no ranking, respectivamente.
A lista é encabeçada pela pequena Chapadão do Céu, localizada no sudoeste de Goiás, bem perto da fronteira com o Mato Grosso do Sul. Com 2.185 quilômetros quadrados, 7.001 habitantes em 2010 e Produto Interno Bruto (PIB) per capita anual de quase R$ 98 mil, a cidade foi apontada, em 2000, como a de maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Goiás – uma das 100 maiores do país. Com produções proporcionalmente elevadas de soja, milho e algodão, além de feijão e cana e uma significativa pecuária leiteira, Chapadão do Céu tem a vantagem de abrigar parte do Parque Nacional das Emas e apresentar um ecoturismo também desenvolvido, o que lhe confere um maior dinamismo.
Fundada em 1982 a partir de uma agrovila criada no entorno da Fazenda Santa Amélia, dedicada sobretudo à pecuária de corte, Chapadão do Céu fazia parte da vizinha goiana Aporé, que, por sua vez, se emancipou de Jataí em 1958. A agrovila nasceu na década de 70, e na época começou a crescer justamente por conta da crise fundiária da região Sul e da chegada de produtores principalmente do Paraná e do Rio Grande do Sul.
Mauro Lopes esteve recentemente na cidade, que tem fartos recursos hídricos, e se impressionou. “O clima é surpreendentemente agradável, e as fazendas às margens das estradas são muito bem estruturadas e cuidadas, o que mostra que os produtores e suas famílias vivem no lugar, o que tem impacto direto sobre o desenvolvimento social de um município”. O Valor também esteve por lá em março de 2011, quando agronegócio e ambiente se uniram em um casamento pouco usual para evitar a proliferação de pragas no Parque Nacional das Emas com a aplicação controlada de agrotóxicos.
Apesar desse esforço conjunto, a ambiental foi a dimensão que apresentou a nota mais baixa de Chapadão do Céu segundo os critérios do Ibre, coerentes com a sensibilidade da região. Ficou com 0,656, mas foi compensada pelas dimensões econômica (0,989), social (0,828) e demográfica (0,818) e apresentou IDR de 0,843. Nota de campeã, mas que, para os pesquisadores, mostra que há espaço para avanços em todas as frentes.
Ignez Lopes atenta para o fato de ser muito pequena a diferença entre as notas das primeiras colocadas do ranking, e que todas elas têm comum notas ambientais mais baixas que as econômicas, sociais e demográficas – exceto Telêmaco Borba, onde a variável social pesou mais sobre o IDR final (0,817). As demais cidades que completam a lista das “10 +” são velhas conhecidas dos leitores deste jornal, cenários de dezenas de reportagens publicadas nos últimos anos.
“Colados” em Chapadão do Céu estão as mato-grossenses Sapezal, na segunda posição com IDR de 0,834, e Alto Taquari, em terceiro 0,828), ambas fortes em soja, milho e algodão. Com essa mesma característica e também situadas em Mato Grosso aparecem Nova Mutum, em quinto lugar (0,823), Campo Novo do Parecis, em sétimo (0,820), Sorriso, em oitavo (0,.819) e Lucas do Rio Verde, em nono (0,819). Maior município produtor de soja do Brasil, Sorriso recebeu do Ministério da Agricultura, no ano passado, o título de “Capital Nacional do Agronegócio”. O país disputa com os Estados Unidos a liderança mundial na produção de soja.
Ao lado dos municípios de Mato Grosso que dominam o topo do ranking surgem São Gabriel do Oeste, no norte de Mato Grosso do Sul, e Uberaba, no oeste mineiro. A primeira, em quarto lugar (IDR de 0,825), teve sua economia rural revigorada pela soja depois que cafezais não vingaram, na década de 70, enquanto a segunda é marcada, entre outras atividades por abrigar um polo de tecnologia de ponta voltada à pecuária.
Com alguns de seus municípios no topo do ranking do IDR, os Estados do Centro-Oeste também aparecem bem posicionados na lista gerada a partir do cruzamento de dados do IBGE realizado pelo Ibre/FGV. A liderança regional ficou com Mato Grosso do Sul (IDR de 0,65), seguido por Goiás (0,63) e Mato Grosso (0,62). Trata-se de um patamar semelhante ao dos berços dos muitos produtores que para lá migraram. No Sul, o Estado de Santa Catarina apresenta o melhor resultado médio (0,65), seguido pelo Rio Grande do Sul (0,64) e pelo Paraná (0,63).
Mas se essas duas regiões são as que têm melhores resultados estaduais médios, São Paulo, no Sudeste, é o Estado que lidera o ranking dos Estados, com 0,69. Além de ser forte em cana, eucalipto, pecuária, laranja e hortifrutis, entre outras culturas e criações, o interior paulista abriga grandes polos desenvolvidos que facilitam o progresso das respectivas cadeias produtivas. É notório, por exemplo, que as estradas de São Paulo são as melhores do país, o que agiliza o escoamento das ofertas destinadas aos mercados doméstico e externo.
Esse conjunto positivo de resultados capturado pelo Ibre/FGV a pedido da CNA não esconde, contudo, que as mazelas nas regiões rurais do país ainda se multiplicam. Mesmo nas regiões mais desenvolvidas nesse sentido, a pobreza persiste. No Sul, enquanto 90,6% dos municípios apresentam graus de desenvolvimento rural alto ou médio, em 9,3% o nível é apenas regular. No Centro-Oeste, o grau regular foi conferido a 14% dos municípios, enquanto no Sudeste 22,9% das cidades ficaram com grau regular e em 3,2% o nível foi considerado baixo.
E a situação nas regiões Norte e Nordeste é grave. Prejudicados principalmente pelos resultados apurados no Amazonas, 64,1% dos municípios nortistas apresentam graus de desenvolvimento rural regular (51,4%) ou baixo (0,9%). No Nordeste, são 65,4% das cidades em situação regular e 1% com baixo grau. É verdade que as novas fronteiras agrícolas que se formaram nas últimas décadas nas regiões de Cerrado de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia contribuíram para os indicadores econômicos médios desses Estados e regiões, mas também fica evidente que a ocupação desses polos se dá com reflexos sociais menos positivos que os verificados nas fronteiras hoje já tradicionais do Centro-Oeste.
“Apesar de os centros urbanos muitas vezes identificarem apenas o lado rico do agronegócio, ainda há muita pobreza no campo”, afirma Ignez. Como destaca a pesquisadora Daniela Rocha, no oeste da Bahia, cada vez mais relevante na produção de soja, algodão e milho, apenas um município – Luís Eduardo Magalhães -, de um total de 1.780, foi enquadrado no grau de desenvolvimento rural elevado. E isso apesar de suas “dívidas” sociais não serem pequenas. Boa parte das carências sociais das novas fronteiras pode ser explicada pela grande presença de empresas agrícolas, não de agricultores residentes, ou de produtores que vivem em polos tradicionais e mantêm propriedades nessas regiões. As empresas costumam desenvolver ações sociais no entorno das áreas que ocupam, mas o alcance das ações é muitas vezes limitado.
Mas nada comparável à penúria verificada na última página do ranking. Ali, sete cidades do Piauí, duas do Amazonas, uma do Maranhão e uma do Pará lutam, praticamente sem armas, apenas para permanecer no mapa. No leste piauiense, Massapê do Piauí, com 521 quilômetros quadrados e 6.220 habitantes, a população sobrevive com um PIB per capita anual inferior a R$ 3,2 mil, e a agropecuária de subsistência resiste onde as condições naturais permitem ou o poder público cumpre suas funções, o que já pode ser considerado uma bênção.
Nesse contexto, avalia Mauro Lopes, o melhor caminho para que o Índice de Desenvolvimento Rural dos municípios brasileiros evolua é mesmo a educação. “Para que os produtores consigam se apropriar do conhecimento gerado por uma instituição de pesquisas como a Embrapa, por exemplo, é preciso educação. O agronegócio usa cada vez mais tecnologia e os ganhos que podem ser obtidos são fundamentais para o melhor desenvolvimento do campo”. Assim seja.
Fonte: Valor Econômico